Carta aos pais
Por serem muito
diferentes cultural e localmente um do outro: uma mãe sertaneja e um pai
paulistano, por muitas vezes, me coloquei numa espécie de limbo ou purgatório:
aquele lugar entre o céu e o inferno; se bem que para um pai ateu e um mãe
católica céu, inferno e purgatório são expressões um tanto quanto desprovidas
de valores ou providas de muitos valores que, por puro desespero da salvação da
alma humana no interior da Bahia, ganha-se muitos créditos, sejam esses
verdadeiros ou falsos, somente mesmo por uma questão de acalentar a alma de
quem já se pendura em qualquer coisa de modo a livrar-se da insanidade da seca
do sertão nordestino. Fui um bebê mais bonito que a maioria, a tal ponto de
Jorge Amado me adotar como seu “alemãozinho” como vizinhos na rua Alagoinhas,
no Rio Vermelho em Salvador. Sempre fui o filho que “batia de frente” com os
vícios e destemperos do meu pai, hoje falecido há nove anos. Era o filho caçula
homem que, desde muito pequeno, apontava o dedo em riste e gritava com ele: “
Não trate minha mãe assim seu canalha, vc está separado dela e agora nos deixe
em paz!”. Com o passar da idade, e aí já na puberdade, meu pai começou a levar
mais a sério estas ameaças e começou um período de ciúmes, amor, raiva e tudo
mais um pouco entre nós dois. Com uns dez ano já não o via regularmente por
estarmos em outros estados vivendo, de modo que quando nos víamos, ao vezes,
não queria o ver pelo fato do abandono, e tendo que consequentemente me tornar
o “pai da casa” com treze pra quatorze anos de idade. Tenho um irmão mais velho
e uma irmã mais nova por parte de mãe, mas como o mais velho sofre de epilepsia,
tive a incumbência do peso de ser pai dos meus irmãos e esposo da minha carente
mamãe que não sabia pra onde ir: definitivamente era mais criança que eu e
ainda continua sendo. Estou com 41 anos e ainda vivo com ela por desemprego e
rumo na vida, afinal viver de arte não dá o sustento que deveria num país tão
ignorante como o nosso. Terminei o bacharelado em Administração de empresas e
há 6 anos curso letras, sendo que esse ano tentarei cinema em alguma faculdade
federal. Este será o ponto chave pra mim: me mudar de casa e me virar sozinho
em uma cidade desconhecida, seria o máximo! Entretanto tenho algumas ressalvas
acerca minha criação. Podem me chamar de pequeno ou mesquinho, mas tive
dificuldades em linkar estes dois universos tão distintos dos meus pais, e
universos principalmente na forma de pensar, ou até de não pensar muito. Desde
pequeno não gostava do cheiro da maconha que meu pai fumava o dia todo, todos
os dias. Ele não aceitava que eu não gostasse e ainda reclamasse aos seis anos
de idade isso com ele: ficava puto mesmo, chegando até um dia me falar que eu
só tinha nascido somente porque ele era maconheiro, nos meus cinco anos de
idade em uma praia deserta de Itapuã. Com ele era assim: mexa com tudo que não
ligo, até com minha mulher e meus filhos , mas não me venha falar mal do meu
fumo, porque assim não penso e só faço besteira. E de fato besteira ele fez
bastante em sua vida com seus três casamentos oficiais e centenas de amantes ou
dezenas, sei lá. Nunca namorei sério com ninguém por ter tido um pai machista,
extremamente galinha; e isto me afeta , ainda hoje, muito em meus laços sociais
e sentimentais quases nulos. Minha mãe nunca foi uma pessoa muito inteligente
que gostasse de ler etc, e esta falta de intelectualidade dela me fez falta, e
muita, dos 10 até aos 41 anos de idade, enquanto ainda aqui estou morando com a
Mama do sertão. Do meu pai, mesmo ainda vivo, sentia a falta dele: sempre muito
distante com ligações esporádicas mensais perguntando se Salvador estava muito
quente ou coisas supérfluas do tipo. Meu pai nunca foi um “santinho”, de modo
que quando se separou da minha mãe, chutou o balde e começou a cheirar bastante
ao ponto de ter que fazer uma cirurgia no fêmur devido à cocaína morando em São
Paulo com sua terceira esposa, outra doidona. Se meu limite com drogas com ele já era uma dificuldade entre nós, este
fato só piora quando ele começa a chutar o balde pra valer e não conseguimos
nos ver como deveríamos. O acompanhava em campanhas políticas pelo Brasil afora
e este era o nosso “modo operante” para esquecer que ele usava drogas e eu consequentemente
ficasse de boa com ele naqueles quinze dias de convivência. Ele usava as coisas
dele, mas sempre era bom pagador de suas dívidas, de modo que não dava pra
reclamar muito deste aspecto, apenas da parte emocional mesmo em que ele nunca
entregava nada, além da grana, e só! Muitas lembranças negativas por partes dos
meus pais me fazem uma pessoa que não quer ter filhos, para que eles não passem
pelo que passei nem de longe, afinal ninguém merece. Fora isso, o que pega é a
questão financeira, onde sou uma lástima como artista frustrado que não consigo
nem ao menos me sustentar, vivendo de herança, que um dia acabará, certamente.
Hoje ter um filho é bem mais caro que antigamente, mas o fator emocional de
minha vida estar parada em todos os aspectos se deve a falta de presença e o entendimento
sentimental e emotivo que pais deveriam ter para com seus filhos, mas que por
uma questão de egoísmo, ou vários questões existências que eu nem ao certo
saberia numerá-las, a criação que tive foi bem limitada ao ponto de ainda não
conseguir entender e destrinchar esse nó para então ser dono do meu nariz e
tocar a minha vida como um adulto que sabe o que quer e o que não quer. Cinema
é minha paixão, mas dá pra viver dele? Eis a questão, e estamos na luta para
descobrir. Que todos sejam felizes ou estejam satisfeitos com suas vidas, mas
que sejam todos e não só alguns, pois como já diz o ditado: Farinha pouco então
meu pirão primeiro; ditado egoísta, mas é assim que o mundo funciona hoje e há
de quem ache que não: ficará no limbo de querer se dar bem na vida sem nunca
conseguir. Quero ser pai, marido, mas não vejo como alinhar trabalho com
prazer; estou começando a descobrir que onde se ganha dinheiro é onde você não
gosta de ficar, mas onde você gasta seu dinheiro é onde você gosta de estar,
como em uma ilha paradisíaca ou visitando um país com cultura interessante,
afinal de contas: trabalhar e ainda ganhar dinheiro fazendo isso seria muita
sorte e poucos têm esse privilégio. Meus pais erraram na minha criação, mesmo
sem ter tido esta intenção, e isso falo por mim só, e não pelos meus outros três
irmãos. E acho que erraram muito devido as drogas que eles usavam diariamente
deixando a criação dos filhos para segundo plano, não quero fazer a mesma coisa
caso seja pai, e também não sei se quero ser um desses que tive ou até pior por
não ter grana nenhuma para dar ao filhote que faria com não sei quem. Na
verdade não tenho interesse nenhum em ser pai, alias nunca tive essa vontade,
só quero mesmo é ser dono de mim, e então as coisas podem fluir melhor sem
ressentimentos dos pais que tive em comparação aos que gostaria de ter tido. O
meu caminho é dar um tempo deles e rearrumar minha caixola para pensar em mim e
esquecê-los ao menos por enquanto até que as coisas fiquem mais nítidas ou
claras.
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