Recordações da Casa Amarela
Recordações da Casa Amarela, de João César Monteiro, Portugal, 1989. Se não foi o melhor, certeza que foi um dos melhores filmes portugueses que já vi. Primor porque a obra fílmica reverbera em nossas psiques com tamanha intensidade por mostrar as vicissitudes e translumbramentos que todo e/ou qualquer ser humano carrega: seu fardo de existir.
Os melindres da alma humana estão impressos na obra portuguesa, assim como a puxada de sardinha para os sabores e dissabores lusitanos é evidente ora, pois. Este mesmo povo que nos colonizou também nos carregou seus modos de pensar na vida e existência de uma forma particular e um pouco sofrível, onde só o fardo e/ou sofrimento seriam capazes de nos identificar e, por conseguinte um modo de viver e ver a vida.
No caso particular do filme Recordações da Casa Amarela, e também não muito diferente do que já descrito, temos um homem de meia idade, alias seria melhor classificarmos como um pobre diabo de meia idade. Pois bem, este ser desprovido de qualquer vaidade humana ou animal até, vive em uma pensão barata e familiar, onde vive seus dias entreolhando a fechadura da filha do pensionato: um primor de donzela, e ainda clarinetista de mão cheia. Com os dias e com as fissuras tal protagonista “troca os pés pelas mãos” e ataca à donzela.
Ação esta que origina o seu expulsamento da pensão e daí então o camarada vê como a vida seria difícil, bem mais difícil que seus problemas de saúde de um homem de meia idade que se alimentava mal ou não se alimentava. Na rua o esdrúxulo protagonista proeminente de uma magreza peculiar dura pouco, de modo que rapidamente o internam em um hospício e também logo o sai de lá para cumprir uma importante missão dada a um amigo seu interno igualmente débil mental: “Vai, e dá-lhes trabalho!”.
Ou em outras letras: volta pra rua e dá-lhes trabalho a quem de direito lhe acha um inconveniente. O filme tem uma carga anárquica considerável já que nosso protagonista vive e está sempre à margem de tudo e de todos, e existe um certo prazer nisso: romper com o pré-estabelecido e se fazer diferente pra não ficar na mão dos que todos ficam.
O trabalho aqui é implicado de outro modo que é dar aborrecimento a quem se acha a autoridade, e essa ação de fato tem uma força estrambólica porque se formos refletirmos de quem dá trabalho a outro alguém, cairemos na mesma resposta: o sistema, então deste modo se levarmos a sério a ideia do protagonista em: “ Vai, e dá-lhes trabalho!”, concubitamente mexeríamos com o estabelecido perante as regras de moral e bons costumes. Sendo este o trabalho outro, temos que ver o mundo de uma nova forma e talvez daí surja alguma coisa boa e nova para termos alegria em denominar de trabalho, pois para vosso protagonista este ponderoso e hábito que denominamos como léxico de trabalho, sempre será uma espécie de escravidão para aqueles que querem ser livres verdadeiramente.
Comentários