A paixão traiçoeira


Quando se está apaixonado um sintoma é certo: a cegueira. Nos anos 2002 e 2003 me enrabichei por uma moça interiorana. Fora uma paixão acachapante de modo que todo mês pegava uma lotação para ir visitá-la em sua longuíssima cidade que ficava a sete horas de bus da capital baiana. Quando ela se mudou para Salvador foi morar na cidade baixa enquanto eu morava na cidade alta. Pegava meu carro recém presenteado por ter passado na faculdade e ia vê-la todas as noites num bairro suburbano. Os perigos do subúrbio, os olhares desaprovadores quando passeávamos no shopping por eu ser branco e ela negra, nada disso sucumbia a minha paixão avassaladora. Com o tempo fui me tornando mais morador suburbano do que qualquer outra coisa com direito a banhos de mar na praia do Cantagalo e a jogar bola no bairro do Uruguai. Tudo ia muito bem, estávamos felizes da vida e curtindo cada momento juntos. Porém como o tempo é sabedor das coisas, a relação foi-se desgastando com brigas infantis de ciúmes ou falta de presença. Em uma das brigas saí do subúrbio sem saber pra onde ir, apenas peguei meu carro e saí dali o quanto mais rápido fosse possível a fim de dar cabo à discussão que já estava chegando aos ouvidos da vizinhança pouco educada, diria assim. Fui à praia de Jaguaribe, na cidade alta, esfriar minha cabeça com um banho de mar e ver um domingo de praia lotada. Estava realmente puto e comecei a caminhar pela praia quando encontrei uma belíssima coleção de esculturas feitas de areia. Fiquei extasiado e de certa maneira minha cabeça esfriou vendo aquelas coisas bonitas feitas por um artesão local. Não tive dúvidas em contribuir com aquela obra sacando minha carteira do bolso e deixando um troco com o artista. Tirei a carteira do bolso e continuei andando com a carteira em mãos tranquilamente. De repente só percebi um vulto, um vento passando sobre mim, que veio ( esse vento) de encontro ao meu queixo. Tinha sido agredido novamente em Salvador. Tomei um cruzado por trás ( covardia) na ponta do queixo. Não cai e quando me virei para ver o que tinha sido aquilo vi uns dez a quinze elementos. Já tonto, pois o cruzado no queixo tem esse efeito retardado: na hora você acha que o absorveu bem depois percebe o baque, ouvi um deles gritar: “ caia no chão, caralho" . Quando vi vários se aprumando com punhos em riste, resolvi obedecer e cair. No chão ele ainda pediu meu relógio, e eu tonto como estava com o efeito retardado do murro na ponta do meu queixo, consegui entender a ordem e dei meu relógio falsificado pra ele. A praia cheia, todo mundo vendo e ninguém fez nada. Depois queriam me ajudar. Mandei todo mundo tomar no cú e fui na delegacia prestar queixa que logicamente não dera em nada. Quando cheguei em casa com a boca toda rachada por dentro liguei a essa minha namorada. Contei a estória e vi uma tremenda gargalhada do outro lado do fone. Depois do ocorrido nunca mais fiz questão de ver a figura. O amor que era cego agora tinha se transformado em dor, mas não dor de fim de relacionamento, mas dor doida física mesmo com uma boca estropiada durante um mês pelo menos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livros do Joca

Cangaço Novo

Mussum, O Films