A manga chupada


O dia era propício para uma praia: o céu estava azul, o sol brilhava intensamente e com bastante mormaço para variar. Alguns brothers já tinham voltado da praia e confirmaram que o mar estava liso, o vento era terao, enfim: um dia típico daqueles que chamamos na linguagem do surf como clássico. Um grande swell tinha entrado na terrinha e a alegria estava estampada no rosto dos “madrugadores das ondas” que logo quando amanhecia já estavam dentro d` água alvoroçados. Trata-se de uma galera mais velha com hábitos saudáveis como dormir e acordar cedo, se alimentar bem, se cuidar acima de tudo, pois sentem que a idade chega e esta não dá mole para ninguém. Como garoto cheio de adrenalina com meus 14 pra 15 anos que tinha quando olhei para os olhos dos coroas e os vi brilhando de uma forma que nunca tivera visto antes, percebi então que era mesmo um dia clássico de surf. Imediata foi, como não poderia deixar de ser, a minha vontade de pegar o caminho mais curto para chegar na praia e no pico. Fuí com mais dois amigos: um bodyboard e dois surfistas. Pegamos um atalho chamado pelos descolados de Paraíso que só a galera casca grossa das antigas fazia, pois se ouvia boatos de estupros e muitos assaltos. Nós três: destemidos e com as mesmas idades praticamente pegamos nossas prancholas e partimos em direção ao paraíso que dava uns dez minutos andando até a praia, sendo que se fôssemos pelo caminho normal demoraríamos o triplo do tempo. Com a adrenalina nos puxando fizemos o caminho em 5 minutos correndo para pegar ainda o mar com o vento terao . Quando chegamos babando de desejo foi uma maravilha.Ficamos pegando onda o dia todo sem parar. As nossas cabeças juvenis estavam totalmente feitas: ondas perfeitas e donos da área da praia do Jardim de Alah; Nos sentíamos como o Tom Currem das revistas de surf, o nosso grande ídolo da época. A cabeça estava de fato feita, mas o sol continuava castigando. Então resolvemos voltar pelo mesmo caminho que fizemos, ou seja, pelo paraíso;Porém a volta era mais perigosa que a ida, pois era já final de dia e no escuro todo gato é pardo, como diz o ditado popular. Definitivamente não foi pelo cansaço, tampouco pelo sol ou fome, queríamos voltar pelo Paraíso porque ainda estávamos extasiados pelo dia de surf que tivemos e queríamos vencer nossos medos internos de que todos pregavam: “ não vá por lá não, vocês vão se fuder um dia desses, depois diga que não te avisei viu seu sacana”. Ficamos com aquela frase na cabeça que sempre escutávamos durante toda nossa adolescência principalmente da própria galera mais velha que pegava onda na mesma praia. Queríamos realmente enfrentar esses "gatos pardos" ou medos internos, e com a coragem marítima que impregnava nossos corpos naquele dia adentramos na floresta do paraíso com o peito aberto e cheios de mara . O paraíso de fato fazia juz ao nome onde os cheiros de maconha e de verde da mata eram predominantes. Bem no meio do caminho existia uma cachoeira que ajudava a tirar a água salgada do corpo, como de costume então paramos para nosso banho nos aliviando do calor e do medo. Eis que surge do nada, ou melhor do mato fechado um doidão querendo nos assaltar. Meus dois corajosos amigos se mandaram correndo, é nessas horas que a gente separa os homens dos meninos, apesar de todos serem meninos na época. Eu, lerdo por natureza fiquei. Acho que mais corajoso que lerdo, mas fiquei sem uma compreensão rápida do episódio . Tinha em mãos uma prancha que parecia um caroço de manga de tão chupada que era; De repente ouvi uma voz pedindo a prancha: "Me dê essa porra seu viado". O corpo todo se tremia, mas eu encarei o bichão e falei: Ela é minha, se quiser venha pegar. Era minha primeira prancha, existia um valor sentimental, não podia me trair assim e dá-la sem ao menos lutar por ela. Daí que rapidamente surgiu o primeiro soco e prontamente desviei meu rosto e coloquei o caroço de manga chupado ouvindo somente um forte estalo na "bichinha". O cara não contente em não ter me acertado veio de novo pra cima. Nessa de ele respirar pra tomar fôlego e dar mais um murro eu já estava correndo e gritando: socorro, socorro, querem me matar. Quando a prancha tomou o murro, que era pra ser na minha cara, o instinto de sobrevivência funcionou que foi uma beleza: Corri jogando para a areia a prancha chupada afetiva, ficar vivo era mais importante nesse momento. Enfim quando o medo deixou eu parar de correr não via nem sinal do cara, ainda estava ofegante e tremendo de pânico ( depois do ocorrido, tive pesadelos durante 2 meses com esse cara e a cena). Depois do ocorrido aparecem os dois fuck amigos: “ Cadê sua prancha brôu?”. Falei ainda cagechando: Fui assaltado brother, o cara me deu um murro. Depois de ter explicado tudo que sucedera aos covardes um deles falou: “ Sua prancha é tão ruim que nem esse saciseiro iria querer , ela deve está por lá, vamos pegá-la” . Não voltaria de jeito nenhum ao paraíso para pegar a manga chupada. Eis que mal acabávamos de falar surge o saciseiro com a manga na mão sorrindo e falando: “ Ei guri, tome esse calhal”. Meus amigos, mais por medo, falaram:      “ vá lá Diogo “ ( antes que o cara resolvesse ir de encontro a todos nós). Os caras praticamente me empurraram até ele. Não sabia que estratégia tomar, o que se sucederia depois de ele me entregar a manga chupada. Não deu outra: a prancha veio de uma mão e um murro da outra. Não sei como (talvez o medo produza alguma substância que antecipe acontecimentos ), mas consegui me esquivar da porrada jogando outra vez a minha manguinha chupada para o lado e por instinto a joguei agora na direçao do cara, talvez no seu peito. Corri gritando outra vez e meus amigos, para variar, nem de longe os vi . Quando não aguentava mais correr aparecem novamente os dois melas cuecas : “ Dessa vez eu vi rei, o cara meteu a porra em você, mas você se esquivou legal”. Ofegante ainda ouvia e tentava reunir coragem para retornar e ver se o cara tinha ido embora para resgatar a manga ( agora que tinha jogado a prancha no peito dele estava cheio de coragem). Respirei fundo, me levantei e retornei ao paraíso de soslaio como um lobo que já conhecia os perigos da selva sem lei. Andava devagarzinho e meus amigos vinham atrás com mais medo que eu. Adentramos Paraíso adentro e achamos abandonada a manguinha chupada. Peguei-a com uma puta velocidade e sumi dali deixando aqueles dois mela- cuecas para trás ( dessa vez não tinha convidado eles para voltarem comigo e resgatar a minha primeira namorada). Esta foi a história daquele verão que repercutiu resenhas e piadas sarcásticas até que um próximo swell entrasse ou outra treta acontecesse. Para a galera foi mais um que se deu mau na selva, mas para quem aprende na selva jamais esquece.

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