Eles voltam

Eles voltam, de Marcelo Lordello, Brasil, 2011. A cena inicial do filme já marca porque traz um plano de câmera aberto, mostrando a vastidão do local retratado e o quanto este era desabitado, e portanto isolado de tudo e de todos; tratava-se de uma estrada, e em meio às montanhas, a tal estrada parecia mais silenciosa ainda. Neste amontoado de asfalto coberto pela poeira surge um automóvel, de alto padrão até, porém este era o único carro naquela estrada vazia. A quem assiste a obra fílmica sabe, ou ao menos intuí que algo está acontecendo nele ou seja, no carro em meio a essa estrada cheia de silêncios gritantes, e isto se sucede nem tanto pelo que se vê mas sim pelo que se ouve dentro do automóvel. Logo o carro arranca deixando marcam de pneus na estrada e ficam para trás dois adolescentes irmão: Cris e Peu, deixados na estrada pelos próprios pais, que não aguentam mais as brigas dos irmãos no banco de trás do carro porquausa de um Iphod. Na real o filme só se inicia após o abandono dos garotos naquela estrada, antes era tudo especulação da imaginação de cada espectador. Pois bem: No meio do nada e longe de tudo ou de um lugar que não ligava nada a lugar nenhum, o diretor da obra nos joga nos peitos a grande pergunta do filme que é: E agora o que fazer? Sentar e aguardar o retorno deles ou sair dali em busca de algum meio de voltar para casa? É a partir desta indagação que fica mais claro a intenção do filme, que tem por objetivo não causar sustos no espectador, mas fazê-lo refletir sobre a situação vivida pela garota Cris, pois o seu irmão logo a abandona buscando socorro em um vilarejo mais próximo dali e nunca mais dá as caras , e a doce Cris por sua vez fica na estrada esperando, caso seus pais tenham se arrependido de tê-los deixados por motivo de uma briguinha dos irmãos adolescentes porquausa de em mero aparelho eletrônico. Ainda abordando aos primeiros minutos do longa-metragem , este apresenta uma força visceral, pela capacidade em retratar o abandono dos irmãos e um misto de descrença inicial com desespero crescente ao tocante que as horas passam, ou seja, com a conclusão de que eles não iriam voltar mesmo, agora os dois pirralhos teriam que se virar sozinhos. A intenção mais subjetiva e mais inteligente também do diretor pernambucano Marcelo Lordello é justamente ou injustamente fazer com que sua protagonista, Cris, se aventure em mundos até então desconhecidos, incluindo aí uma porção da famosa diversidade social brasileira. Criada em uma família rica e vivendo em meio ao conforto e diversos aparelhos eletrônicos de última geração, ela precisa encarar o medo e a desconfiança ao encontrar outras pessoas em sua tentativa de volta ao lar, mesmo não sabendo se seus pais ainda a quisessem com eles, talvez tenham surtado, pensa, mas não fala, nossa protagonista mirim. Este contraste, explorado também em detalhes como a cor da pele e o próprio vestuário que ela veste, é o que há de mais interessante na jornada, também por fugir do lugar comum do preconceito. O diretor Lordello consegue trabalhar o desconhecido com habilidade, mantendo a dúvida para o espectador não apenas sobre o que acontecerá com Cris mas também em relação aos pais dela. Afinal de contas, eles vão voltar ou não? É justamente quando esta pergunta é respondida que o filme sofre uma queda brusca, já no fim, então não tem muito problema. Por mais que seja compreensível o interesse em mostrar como os eventos influenciaram Cris, a ausência de uma motivação faz com que a personagem vague meio sem rumo nos 25 minutos finais da história. Ainda assim, trata-se de um filme interessante pela forma narrativa desenvolvida e também pelo retrato pouco interessado em quase tudo ou tudo de fato de uma geração que tem tudo à mão, mas não demonstra interesse em realizar algo que não favoreça somente a si mesma. Neste aspecto, o filme Eles Voltam acaba sendo uma espécie de cutucagem necessária. Destaque também para sua protagonista, que conseguiu criar um ritmo próprio, porém lento, para desenvolver a história com a ajuda do diretor experiente. A obra fílmica ainda nos instiga a debater o papel dos pais como formadores responsáveis das suas crias. Uma pergunta que fica no ar nitidamente é: Será que uma pretensa alta liberdade, ou ao invés disso, um total protecionismo para com suas crias ; Esses dois extremos citados seriam bons ou ruins para gerar adultos emocionais e socialmente preparados para a vida? O obra fílmica deixa claro que tanto um como outro extremo é desnecessário, o ideal mesmo é buscar o intermédio de uma criação entre a liberdade parcial e o protecionismo comedido. O que não resta dúvida é que Pernambuco ainda continua produzindo os melhores filmes brasileiros. Mais uma perola do estado que tem uma politica para o desenvolvimento do audiovisual bastante interessante, e a Bahia bem que poderia copiá-la.

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