O obstinado



Tem coisas na vida que não tem preço, pelo menos para alguns como Saulo, um esperto rapaz que quer se dar bem na vida sem passar em cima dos outros. Mas será que isso é possível? O rapaz quer acreditar que sim, mas não sabe o que o futuro lhe garante ou não, alias ninguém sabe do futuro.
Saulo era auxiliar administrativo de uma pequena firma de entrega de encomendas feitas pelos corajosos motos boys da cidade de São Paulo. O chefe dele era uma senhora muito invocada e mandona, cujo nome se denominava Cris, mas para ele sempre Senhora Cris, nunca somente Cris. Um dia ele esqueceu de chamar-lhe de senhora e quase foi demitido. Então jurou que nunca mais esqueceria do tal tratamento obrigatório. Mas como lembrar sempre dessa merda de senhora, Saulo se perguntava sempre se iria ser despedido por esta gafe.
Saulo tinha uma família grande e pobre, vivia num subúrbio violento e sujo, ao quais os governantes só lembravam no ano de eleição. A criminalidade era grande, e muitas vezes Saulo tinha de correr por causa de barulhos de tiros e brigas entre moradores no meio da rua. Mas ele já tinha se acostumado com essa situação, e só corria quando as brigas e os tiros estavam bem próximos a ele. Saulo era um homem corajoso, já tinha desafiado traficantes da região por mexerem com suas irmãs, e ficou jurado de morte durante um bom tempo. Mas ele não se intimou com as ameaças e logo conseguiu se armar e sair com mais confiança ou menos medo nas ruas. As pessoas sabiam que ele estava andando armado e logo o tratavam de uma forma mais respeitosa, de modo que Saulo foi se popularizando no bairro fedido e violento da casa de seus pais, um simples pedreiro e uma faxineira, semi-analfabetos ambos.
Com essa fama de andar armado, a galera do tráfico logo soube disso, e quis saber de onde Saulo tinha conseguido a tal arma. Um certo dia um “avião” (menino, que fica no topo das lajes mais altas do subúrbio para avisar quando os policiais estavam chegando aos traficantes) abordou Saulo, fazendo-lhe a tal pergunta do revolver, ele disse que só respondia ao chefe dele e que o encaminhasse até ele. O avião, então o levou ao seu chefe e assim Saulo pode ver uma real perspectiva de mudar e sua e a vida da família pobre de imigrantes do norte-nordeste do país. É verdade que ele quase morreu ao ver o quase estuprador de sua irmã que o ameaçou de morte. Mas Saulo foi desarmado, falando que veio na paz e queria ajudar a família dele, porque o trabalho dele não dava mais pra eles se sustentarem e tal. O famoso e temido homem do subúrbio paulistano olhou Saulo de baixo para cima, com uma desconfiança que beirava a cara de um demônio. Era conhecido como “Big bam”, pois antes de matar seus inimigos ele tinha uma frase clássica, dizendo a pessoa que estava na hora de morrer, rindo após e atirando a queima roupa na testa sempre, tinha uma mira de gênio com um trinta e oito.
Saulo começou como avião. Os traficantes colocam os iniciantes nesse cargo para saber o grau de confiança que pode depositar no estreante no mundo do crime, sempre supervisionado por outro avião “confiável” sem o estreante saber que estava sendo vigiado. Por essa prova, Saulo foi muito bem, ficou seis meses vigiando o subúrbio da policia e avisando a hora que eles estavam nas redondezas. Com o tempo, Saulo já começará a pegar à confiança do Big bam e já estava em condições de mudar de cargo na firma. Mesmo como avião, Saulo já ganhara mais que o triplo quando era auxiliar na empresa de moto boys. Com o tempo ele foi se firmando no mundo do crime , até que chegou ao posto de vendedor. A sexta feira ia às portas das baladas dos bairros nobres para vender cocaína e Stasy pros bacanas, como ele dizia. Saulo era um tipo da mistura brasileira. Filho de uma descendente de Índia e um descendente de português com espanhol, Alan estava sempre bem vestido, e assim sempre era bem quisto e visto pela área nobre da cidade, de modo que conseguia vender todos os papelotes que levava nas noites paulistanas de sextas e sábados nas boites da capital.
Raramente, quando ele não conseguia vender tudo, ele não usava, ele vendia mais barato quando chegava a seu bairro pros mano. Saulo era esperto e sabia que não podia cair na tentação de provar a parada e ver o que rolava. Muitas vezes, ele via os play boys felizes com aquilo e achava que poderia ficar feliz também usando, mas logo pensava em seus pais e desistia, voltando muita vezes pra casa tristonho. Aquilo era um trabalho para ele, e o encarava dessa forma. Foi o trabalho que estava ao alcance dele para dar uma vida melhor para seus pais. Ele era obcecado por ajudar sua família, por isso entrou no mundo do crime.
As coisas iam de vento em popa, Saulo conseguia mais canais para vendas e seus lucros foram crescendo com as amizades que fizera. Ele equipou a casa dos seus pais toda, era uma das casas mais chiques do bairro, tinha tudo que uma casa de classe media alta tinha: sofás acolchoados, televisões grandes e de plasma, vídeo-game, ar-condicionado, canais a cabo de vídeo e TV e uma geladeira sempre farta. Seus pais algumas vezes o perguntavam como ele estava conseguindo comprar todas essas coisas, mas Saulo dizia que era negócios escusos. Os pais analfabetos que eram, achavam que o termo escuso era bom, até mesmo porque estava dando todo aquele luxo para eles, que até então somente tinham vistos em novela das oito da rede Globo, e deixavam por aceitar todo aquele luxo.
Hoje Saulo, é o dono da boca, colocou o Big Bam para o além, tramando com alguns comparsas e é um homem poderoso e procurado no mundo do crime. Saulo sempre repetia aos moradores trabalhadores de empregos convencionais que eles só se livrariam dele, quando existissem verdadeiramente democracia e igualdade de oportunidade para todos no mundo, ele sempre repetia em seguida também: “A gente já é mau caráter, já nasceu assim, é de nossa natureza isso, não vê aí tanto ladrão que a gente coloca no poder, aqui não, aqui na minha área eu sou o poder”. Os moradores não tinham como dizer que ele estava falando mentira, e apenas continuavam andando de cabeça baixa, depois de ter pago o imposto por morar na área do traficante poderoso Saulão, como era conhecido agora. Esse imposto variava de acordo com o gosto de Saulão, se ele fosse com a cara do sujeito, este pagaria menos, se não fosse este pagaria mais, era uma questão pessoal, de ir ou não com a cara da pessoa. Além disso, também Saulão sabia que poderia ser dedurado a qualquer momento por aqueles moradores e sabiamente protegia a região e seu gueto, sendo que com o dinheiro arrecadado pelos impostos, era investido na própria comunidade com obras de saneamento sanitários, parques de laser, campos de futebol, cooperativas de artesanato, de arte para os jovens ocuparem seu tempo ocioso e uma cooperativa de moto boys para os pais de família moradores viverem de forma digna. Com estas ações, Saulo sabia que era improvável que fosse denunciado a policia, pois o quê o governo não fazia para aqueles moradores pobres, ele fazia e com o tempo do próprio bolso, suspendendo os impostos, quando os moradores trocaram os seus trabalhos escravos convencionais para trabalharem pra eles mesmo nas cooperativas criadas pelo empreendedor traficante vulgo conhecido como: “Saulão , o miseravão, mas com coração”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livros do Joca

Pirataria X Streaming

Cangaço Novo